
Em Atos 22:1-5, o apóstolo Paulo tenta se defender de uma multidão desinformada, determinada a tirar-lhe a vida. O capítulo anterior termina com uma vírgula, quando Paulo começa a falar à multidão, "dizendo" (Atos 21:40). Paulo tentará fazer as pazes com a multidão e convencê-la a crer no Messias.
Ele retornou a Jerusalém após anos na Grécia e na província romana da Ásia (a região ocidental da atual Turquia). Muitos co-ministros e amigos o acompanharam a Jerusalém, alguns dos quais eram crentes gentios (Atos 20:4). O Espírito Santo informou Paulo muitas vezes que "cadeias e tribulações" o aguardavam em Jerusalém (Atos 20:23). Enquanto estava em Jerusalém, Paulo concordou em pagar as despesas do templo para quatro crentes judeus que haviam feito um voto.
Ele os patrocinou na tentativa de mostrar que não pregava contra a Lei Mosaica. Mas, enquanto estavam no templo, alguns judeus hostis, vindos da província da Ásia, viram Paulo e o atacaram. Eles incitaram as multidões contra Paulo, contando a mentira de que ele havia levado um de seus amigos gentios ao pátio interno do templo, algo que era proibido. Paulo não havia feito tal coisa, mas mesmo assim as multidões o atacaram.
O comandante romano local interveio e salvou Paulo de ser espancado até a morte pelo povo. Enquanto acompanhava Paulo escada acima para interrogá-lo no quartel, o comandante romano ficou surpreso ao ouvir Paulo falar com ele em grego. Paulo pediu a oportunidade de falar com a multidão raivosa lá embaixo, e o comandante o atendeu.
Paulo se dirige à multidão na língua comum da Judeia do primeiro século, o "dialeto hebraico", provavelmente significando aramaico judaico (Atos 21:40). Ele começa:
Irmãos e pais, ouvi a minha defesa, que agora vos faço (v. 1).
No início, Paulo explica por que está falando à multidão. Ele quer que ouçam sua defesa. Antes, ele não teve oportunidade de se manifestar. Ele havia sido dominado pela multidão que o atacava. Em vez de se esconder do povo, Paulo quer tentar persuadi-los a mudar de ideia sobre ele e sobre o que representa.
A calúnia proferida contra Paulo foi: “Este é o homem que por toda parte prega a todos contra o povo, contra a Lei e contra esse lugar; e, além disso, introduziu gregos no templo e tem profanado este lugar santo” (Atos 21:28).
Agora, em segurança, longe da multidão, de pé acima deles na escadaria do quartel, com soldados romanos o guardando, Paulo fala em sua própria defesa. Ele apela ao fato de que tanto ele quanto a multidão são judeus, dirigindo-se a eles como irmãos e pais.
Ambos os termos são familiares, apelando a uma causa comum e a laços estreitos. O termo "irmãos" evoca a sensação de que Paulo está do mesmo lado que os judeus, que cresceu ao lado deles como irmão e que compartilham a mesma herança e valores. O termo "pais" é respeitoso e humilde. Se Paulo estivesse realmente pregando contra o povo judeu, contra a Lei judaica e contra o templo, ele se distanciaria de bom grado dos judeus, em vez de chamá-los de seus "irmãos" e "pais".
O público se anima com seus comentários iniciais:
Quando ouviram que ele lhes falava em hebraico, guardaram ainda maior silêncio (v. 2).
Já havia "grande silêncio" (Atos 21:40) na multidão quando Paulo indicou pela primeira vez que iria falar com eles, mas agora eles ficaram ainda mais em silêncio. Ninguém sussurrou para o seu vizinho, ninguém se moveu de onde estava. Ninguém queria perder o que aquele homem estava prestes a dizer. O motivo pelo qual guardaram ainda maior silêncio foi porque ouviram que Paulo estava se dirigindo a eles no dialeto hebraico, provavelmente o aramaico judaico.
Isso pode ter despertado o interesse de alguns na multidão, pois Paulo foi acusado inicialmente por judeus da província da Ásia (provavelmente de Éfeso, onde Paulo viveu por vários anos - Atos 19:10). Como a acusação veio de judeus da diáspora, não nativos de Israel, os judeus locais podem ter pensado que Paulo também era de Éfeso. Mas sua habilidade de falar com destreza no dialeto hebraico pode ter levado a plateia a perceber o erro e a se perguntar quem era aquele homem e como ele falava como um morador local.
Com toda a atenção da multidão, Paulo continua: Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade e instruí-me aos pés de Gamaliel, conforme o rigor da Lei de nossos pais, sendo zeloso para com Deus, assim como todos vós o sois no dia de hoje (v. 3).
Paulo dá seu testemunho. Grande parte dele será uma recontagem dos eventos de Atos 8:1, 9:1-30. Paulo explicará como ele passou de um fariseu devoto que odiava a Cristo para um crente que pregava a Cristo, até mesmo aos gentios. Paulo começa do início, explicando que ele, como a multidão, é judeu. Ele nasceu em Tarso da Cilícia. Tarso era a capital da Cilícia, uma província romana no centro-sul da Ásia Menor/Anatólia (atual Turquia). Embora tenha nascido em Tarso da Cilícia, Paulo enfatiza que foi criado nesta cidade, Jerusalém. Novamente, Paulo está se identificando com a multidão - eles são seus irmãos e pais, e ele é um judeu que foi criado na cidade de Jerusalém. Ele fala o dialeto hebraico.
Em algum momento de sua juventude, Paulo veio de Tarso a Jerusalém para se preparar para se tornar fariseu. Seu mestre era um fariseu notável e respeitado; Paulo foi educado sob a tutela de Gamaliel. Gamaliel apareceu no livro de Atos muitos anos antes, quando os apóstolos estavam sendo julgados (Atos 5:27).
Naquele episódio, os apóstolos Pedro, João e os outros dez estavam realizando milagres e pregando no pórtico externo do templo, quando os sacerdotes os prenderam. Muitos no Sinédrio (o conselho dos anciãos) queriam condenar os apóstolos à morte, mas Gamaliel usou de sabedoria para impedir isso. Ele raciocinou que, se os apóstolos estivessem realmente fazendo a vontade de Deus, não seria sensato opor-se a eles, mas se não tivessem o apoio de Deus, fracassariam por conta própria (Atos 5:34-39). O Sinédrio acatou a sabedoria de Gamaliel naquele dia e libertou os apóstolos.
Este mesmo fariseu sábio que era um “doutor da lei, acatado por todo o povo” (Atos 5:34) havia educado Paulo durante seus anos como aprendiz de fariseu.
Essa educação era conforme o rigor da lei de nossos pais. Novamente, a desculpa para atacar Paulo naquele dia foi a mentira que ele pregava "Este é o homem que por toda parte prega a todos contra o povo, contra a Lei e contra esse lugar" (Atos 21:28). Aqui, Paulo mostra que essa turba assassina não sabe nada sobre ele. Paulo era, na verdade, um fariseu treinado por um mestre altamente respeitado, Gamaliel, conforme o rigor da lei de nossos pais - a Lei judaica, a Lei de Moisés.
Paulo foi educado por Gamaliel porque ele também era zeloso para com Deus, assim como todos vós o sois no dia de hoje. Paulo reconhece o zelo da multidão pela lei de nossos pais, identificando-se novamente com eles, e afirma que ele era e é tão zeloso por Deus, com a mesma intensidade que vocês todos (a multidão) são hoje.
O zelo da multidão estava sendo mal aplicado, mas Paulo esperava que, por causa do zelo deles para com Deus, pudessem ouvir o que Ele havia feito ao enviar Seu Filho, o Messias, Jesus. Paulo lhes dizia que era exatamente como eles e sabia exatamente como se sentiam em relação à sua lei e ao seu Deus. Mas esse zelo controlava Paulo e o levava a agir contra a vontade de Deus, como ele mesmo detalharia à multidão. Ele descreveu aos presentes a que extremos essa dedicação zelosa o levou:
E persegui este Caminho até a morte, acorrentando e entregando à prisão não só homens, mas também mulheres, como são testemunhas o sumo sacerdote e todo o conselho dos anciãos, dos quais recebi cartas para os irmãos e segui para Damasco com o fim de trazer algemados a Jerusalém os que também ali se achassem, para que fossem punidos (v. 4-5).
Paulo não menciona o apedrejamento do diácono Estêvão, após ele ter repreendido o Sinédrio durante seu julgamento. Ele estava presente nesse assassinato e foi quem aprovou tal acontecimento (Atos 7:58-8:1). Após vários julgamentos contra os apóstolos, o Sinédrio finalmente cedeu ao desejo de matar os seguidores de Jesus. Após o apedrejamento de Estêvão, a barragem se rompeu e a perseguição aos fiéis começou oficialmente.
Motivado por seu zelo, Paulo se voluntariou para assumir o comando dessa perseguição. Ele recebeu essa função possivelmente porque estava "adiantando-se no Judaísmo mais que muitos da mesma idade na minha nação, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais" (Gálatas 1:14). Ele era zeloso não apenas pelo judaísmo, mas também pela instituição farisaica, seu sistema de definições e regras adicionado à lei. A proeminência de Paulo como um jovem fariseu zeloso e em ascensão lhe permitiu a oportunidade de liderar essa perseguição.
Ele perseguiu este Caminho (o Caminho era como o cristianismo era chamado em seus primórdios - o Caminho de Jesus Cristo). Ele estava acorrentando e entregando à prisão não só homens, mas também mulheres. Em Atos 8, Lucas, o autor de Atos, descreve como Paulo perseguiu este Caminho:
“Mas Saulo [Paulo] assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, os entregava à prisão.”
(Atos 8:3)
Aqui em Atos 22, Paulo agora sofre “cadeias e tribulações” (Atos 20:23) de judeus hostis ao evangelho, assim como havia imposto algemas e aflições aos crentes décadas antes. Ele não apenas prendeu crentes, mas provavelmente também participou de abusos violentos contra eles. Em outras passagens das Escrituras, Paulo se descreve como tendo sido “blasfemo, perseguidor e injuriador” (1 Timóteo 1:13).
Paulo diz aqui que perseguiu este Caminho até a morte. Isso pode ser interpretado de duas maneiras, ambas verdadeiras. A primeira é que ele perseguiu este Caminho com o único objetivo de destruí-lo, condenando esta "religião falsa" à morte para que ninguém mais cresse ou sequer pronunciasse o nome de Jesus (Atos 4:17-18).
No entanto, Paulo também perseguiu os fiéis para condená-los à morte física. Ele foi cúmplice das mortes incontáveis dos fiéis que prendeu. Mais adiante em Atos, quando tem a oportunidade de dar seu testemunho ao rei Agripa, Paulo explicará: “Tendo recebido autoridade dos principais sacerdotes, eu não somente encarcerei muitos santos, como também dei o meu voto contra estes quando os matavam” (Atos 26:10).
Dentre aqueles que prendeu, ele participou dos julgamentos, tendo o poder de votar a favor de sua execução, o que fez. O objetivo dessas mortes era amedrontar outros fiéis e fazê-los abandonar sua fé para evitar o destino de seus amigos. No entanto, o martírio frequentemente tem o efeito oposto, como aconteceu no caso do cristianismo.
Paulo também puniu os fiéis do Caminho e "tentou forçá-los a blasfemar", ou seja, tentou fazer com que os fiéis repudiassem Jesus, provavelmente infligindo-lhes dor física, para que dissessem que Jesus não era o Messias e renunciassem à fé. Paulo fez tudo isso enquanto "estava furiosamente irado" com os fiéis (Atos 26:11). Suas ações eram motivadas pelo ódio.
Assim, Paulo consegue compreender o ponto de vista da multidão a quem se dirige. Ele costumava ser assim como eles, se não ainda pior. Mas sua esperança é que seus corações sejam transformados por seu testemunho, assim como Deus transformou seu coração enquanto Paulo perseguia violentamente o Caminho. Ele atesta à multidão que, se eles não crerem no que ele diz sobre seu passado, o sumo sacerdote e todo o Conselho dos anciãos é uma testemunha sobre a verdade deste fato.
Foram o sumo sacerdote e o Sinédrio (o Conselho dos anciãos) que nomearam Paulo: dos quais recebi cartas para os irmãos, documentos que lhe davam jurisdição em outras cidades onde viviam judeus para prender aqueles que cressem em Jesus (durante a perseguição de Paulo, os crentes no Caminho de Jesus eram apenas judeus; o evangelho não se espalhou para os gentios até Atos 10). Em seu testemunho posterior, Paulo especifica que tinha "autoridade e comissão dos principais sarcedotes" (Atos 26:12).
Os irmãos aos quais Paulo se refere na frase "Também recebi cartas para os irmãos" são os líderes judeus (fariseus e anciãos) em cidades fora de Jerusalém, a quem Paulo mostrava, em suas cartas do sumo sacerdote, que tinha autoridade para prender qualquer um que suspeitasse ser crente em Jesus. Esses eram irmãos judeus.
Com essas cartas de autoridade expandida, Paulo descreve como ele partiu para Damasco. A comunidade de crentes em Jerusalém naquela época contava com mais de cinco mil homens e mulheres (Atos 4:4), e havia se “dispersado” quando Paulo começou a perseguir o Caminho (Atos 8:1). Alguns crentes aparentemente se espalharam até Damasco, uma cidade na Síria, cerca de 225 quilômetros ao norte de Jerusalém. O propósito de Paulo em Damasco era prender os crentes que estavam lá, a fim de extraditá-los de volta a Jerusalém para julgamento, como prisioneiros para serem punidos, possivelmente até mesmo condenados à morte.
Paulo revela todos os detalhes vergonhosos e terríveis de seu passado a essa multidão que quer matá-lo para que saibam o quanto ele tem em comum com eles. Ele também era zeloso pela Lei, assim como eles são zelosos; ele vem da elite farisaica; ele odiou o Caminho de Jesus a ponto de prender crentes e votar por sua morte. O Sinédrio pode comprovar tudo o que ele diz. Paulo costumava ser o inimigo mais perigoso e eminente daqueles que acreditavam em Jesus. Ele conta isso à multidão para explicar como seu coração havia sido totalmente transformado, na esperança de que eles também deixassem de odiar Jesus e passassem a crer nEle.
Usado com permissão de TheBibleSays.com.
Você pode acessar o artigo original aqui.
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